Vinil Chico Buarque - Chico Buarque De Hollanda Nº4 (Verde e Azul Translúcido)
O que dizer de um disco que abre em delicioso clima de gafieira jazz, com “Essa Moça Tá Diferente”, traz duas indiscutíveis obras-primas da canção buarqueana — “Samba e Amor” e “Rosa dos Ventos” —, mais um belo exemplar da iluminada parceria com Tom Jobim, “Pois É”, e um clássico do cancioneiro brasileiro, “Gente Humilde”, assinado pelo legendário violonista Garoto, Vinicius de Moraes e Chico? Bem, isso não é nem metade da história — são apenas cinco das doze faixas deste álbum que, em abril de 1970, revelou um jovem genial, Chico Buarque, em processo de amadurecimento, abrindo as asas para voar alto depois de 14 meses de autoexílio.
Gestado no ano em que o artista teve que se refugiar em Roma, logo depois que a ditadura militar apertou o garrote (com o AI-5, em dezembro de 1968), o quarto LP de Chico nasceu em condições complicadas.
Aos 25 anos, pai de família (Sílvia nascera em março de 1969), endividado e com dificuldades para estabelecer a carreira na Europa, ele teve prazos curtos para criar novas canções e para registrá-las, com uma dificuldade adicional: era preciso gravar as bases no Brasil, e a voz, na Itália. “São as músicas mais arrancadas a fórceps que eu tenho”, contaria Chico, anos depois.
O produtor Manoel Barenbein passou duas semanas em Roma na função de extrair de Chico o material novo. “Ficava sentado diante de mim a dois metros de distância, eu terminando a música e dizendo: ‘Espera aí, Manoel, estou terminando aqui’... Tem músicas que eu terminei nas coxas”, lembrou o artista.
Esse certamente não foi o caso de “Samba e Amor”, lirismo em estado quase puro, com referências reais do cotidiano de Chico e Marieta em Roma (o cobertor de lã citado é um deles). Também não se aplica a “Rosa dos Ventos”, que prenuncia o Chico maduro de “Construção” no uso das proparoxítonas e na sofisticação formal, com arranjo cinematográfico de Magro Waghabi, do MPB4, que bem pode ter usado referências do maestro italiano Ennio Morricone (com quem Chico trabalhou no LP “Per un Pugno di Samba”, de 1970).
Em “Agora Falando Sério”, Chico, pós-moderno, volta-se contra a própria obra e a própria imagem pública, passando seu recado com estocadas certeiras: “Dou um chute no lirismo/ um pega cachorro e um tiro no sabiá/ dou um fora no violino, faço a mala e corro pra não ver a banda passar”. E canta tudo isso acompanhado por levadas de rumba flamenca e ieieiê, como se tivesse por banda uma trupe de bandoleiros.
Cheios de surpresas, os arranjos — não creditados individualmente — são de Erlon Chaves (inconfundível em “Essa Moça Tá Diferente”, que foi hit na França no começo dos anos 1990), César Camargo Mariano e de Magro.
Entre a reverência e a ousadia, “Chico Buarque de Hollanda Nº 4” marca um passo importantíssimo na carreira do artista e da música popular brasileira também.
Repertório do LP:
Lado A:
A1. Essa Moça Tá Diferente
A2. Não Fala De Maria
A3. Ilmo. Sr. Ciro Monteiro Ou Receita Pra Virar Casaca De Nenén
A4. Agora Falando Sério
A5. Gente Humilde
A6. Nicanor
Lado B:
B1. Rosa Dos Ventos
B2. Samba E Amor
B3. Pois É
B4. Cara A Cara
B5. Mulher, Vou Dizer Quanto Te Amo
B6. Tema De "Os Inconfidentes"